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Crise já causa demissões no campo

Fonte: Estadão
osé Maria Tomazela O mato começa a despontar em 10 mil hectares da Fazenda Recanto, no município de Itiquira, no sul do Estado de Mato Grosso, a 347 quilômetros da capital, Cuiabá. Essa terra deveria produzir 27 mil toneladas de soja até fevereiro, mas está ociosa e já tem ninhos de quero-quero. Os irmãos Mattei, que no ano passado cultivaram 40 mil hectares, reduziram em um terço a área de plantio do grão nesta safra. Nesta segunda-feira, a Recanto demite 70 dos 160 funcionários. "Na situação atual, não há como segurar uma folha de pagamento de R$ 180 mil", diz Sérgio Luis Mattei. Gaúchos descendentes de italianos e agricultores desde o berço, os Matteis não escaparam dos efeitos da crise internacional na agricultura brasileira, que afetaram, sobretudo, Mato Grosso, maior produtor de soja do País. Os 10 mil produtores de grãos têm dívidas de R$ 10,5 bilhões e 70% estão inadimplentes, segundo a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado (Famato). Os débitos se arrastam desde a safra de 2003, quando os produtores foram incentivados pelo governo a investir no aumento de produção. Houve uma corrida às compras e a venda de colheitadeiras bateu o recorde nacional. O volume produzido no Estado dobrou de lá para cá, mas os produtores não conseguiram pagar em dia os investimentos. Com a crise internacional, os bancos passaram a executar os débitos e fazer o arresto dos tratores e colheitadeiras. Desde que expandiram as áreas de produção do sul para o centro-oeste, há 25 anos, é a primeira vez que os Matteis pisam forte no freio. A gota d´água foi a queda no preço do milho, que despencou para R$ 11 a saca durante a semana que passou. Com uma produção de 400 mil sacas ao custo de R$ 17 cada, Sérgio Mattei contabiliza prejuízo de quase R$ 2 milhões. Ele havia armazenado o milho à espera de uma reação na cotação, mas, na semana passada, foi obrigado a vender 200 mil sacas para fazer caixa. Também precisava do espaço no silo para a soja a ser colhida em janeiro. Cada caminhão que saía carregado da fazenda representava um prejuízo de R$ 3 mil. "Não tenho outra fonte de renda e vendi para pagar os funcionários", disse ele. Mesmo ele, um produtor forte e tradicional, está sem crédito. Da frota de 25 colheitadeiras, cinco estão financiadas e duas, com pagamentos em atraso. O agricultor chegou a ser avisado de que poderia ter as máquinas arrestadas, mas conseguiu contornar a situação. A fazenda é uma das mais produtivas e estruturadas do sul do Estado, com armazéns para 18 mil toneladas, 25 colheitadeiras, frota de tratores e implementos, casas para 100 funcionários, cozinha industrial, refeitório e até uma pista de pouso. Mas o produtor está apreensivo. No preço atual, a soja também vai dar prejuízo. Por isso, ele tentou reduzir o custo de produção usando 30% menos adubo. "Estou pegando dinheiro no mercado para não sujar o nome, mas, se apertar, serei obrigado a vender terra para sair das dívidas." O armazenador Evandro Pinheiro, que trabalha com os Matteis há mais de 15 anos, conta que não tem dormido direito. Ele veio do sul com a família, a mulher e dois filhos, e mora na fazenda. "Se o patrão está perdendo dinheiro, a gente perde o sossego." Embora não esteja na lista de demitidos, ele se preocupa. "Se a soja não der preço, o que vai ser de nós lá na frente?" Na região de Rondonópolis, a 213 quilômetros de Cuiabá, onde os bancos apreenderam o maior número de máquinas por inadimplência, as terras sem plantio se sucedem ao longo da BR-263. Já não se vêem as filas de caminhões carregados, em comboio, escoando grãos para o Porto de Paranaguá (PR). Na cidade de 190 mil habitantes, o movimento no comércio geral caiu 15%, mas, nas lojas de peças agrícolas e produtos agropecuários, a redução já é de 50%, segundo a Associação Comercial. O produtor Altair de Souza plantava soja, algodão e milho em 5,2 mil hectares, parte arrendada. Depois de três safras ruins, a partir de 2004, jogou a toalha. "Este ano não plantei nada e passei o risco para outro." Depois de 25 anos de agricultor, hoje ele vive do arrendamento das terras. Na Chapada dos Guimarães, a 65 quilômetros da capital, o preço baixo da soja preocupa tanto quanto o ataque de doenças e a instabilidade do tempo. "Passa semanas sem chuva, depois cai um temporal", conta o gerente, Adelque Cassola, replantando uma área de soja infestada pelo nematóide, mal que ataca a raiz. Ele conta que, por causa crise, o patrão usou semente mais barata. "Agora, estamos replantando com a semente resistente." Dos 50 empregados, 15 já foram embora, segundo Cassola. "Se não melhorar, vai ter mais demissão." A situação dos produtores de algodão é ainda mais crítica, pois a época do plantio chegou e os agricultores não têm crédito. Quando a crise travou os financiamentos, os produtores não tinham comprado os insumos. De uma verba de US$ 500 milhões para o crédito de custeio, tinham sido liberados até a semana passada pouco mais de US$ 20 milhões. Para piorar, o preço atual, de R$ 32 a arroba, não cobre o custo de produção. O vice-presidente da Associação Mato-grossense dos Produtores de Algodão (Ampa), Carlos Augustin, prevê uma queda de 40% na área de plantio, o que deve representar uma perda de R$ 780 milhões no faturamento do setor, que emprega 56 mil trabalhadores. "A queda no número de empregos será proporcional", assegura.
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