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Covid: uma lição de bom senso

Desde abril do ano passado, estatísticas da Prefeitura mostram que o número de contaminação e de mortes é proporcionalmente maior onde há grande concentração dos aglomerados subnormais

O Senador José Serra, com sua formação técnica, sua experiência como Ministro da Saúde, prefeito da capital e governador do Estado, publicou interessante artigo no Estadão de 25 de março, intitulado “Solidariedade pelo bem comum.

Sem críticas ou busca de culpados, reconhece a gravidade da pandemia e apresenta um roteiro do que a seu juízo deve ser feito. Interessante que as medidas que preconiza, com exceção da questão das vacinas, deveriam ter sido adotadas para impedir que se chegasse à situação atual.

É preciso, afirma, quebrar “o contágio exponencial do novo coronavírus. Já deveríamos ter impedido que se chegasse a este ponto de colapso”.

Após afirmar que as vacinas já não representam a única solução para o Brasil, defende a necessidade de se segmentar sua utilização, considerando, além dos idosos, locais com maior densidade populacional, ou taxa de contágio. Precisamos, continua, “de informações claras e precisas com relação à doença e seu contágio, realizar periodicamente amplos testes, por amostragem, para localizar com precisão os mais afetados”.

Defende um “processo ativo de testagem e pesquisa de campo” e utilizar com inteligência “as grandes bases de dados disponíveis, tanto públicas como privadas”, para realizar campanhas ativas de conscientização, imunização, testagem, rastreio e isolamento.

Aponta que “a solução é coletiva e solidariedade é a palavra”. Conclama ao uso de máscaras, distanciamento e evitar aglomerações.

Por fim, recomenda, “se você puder ficar em casa, fique.”

Não defende no artigo fechamento, lockdown, e outras medidas que vêm senso adotadas. Acredito que com sua experiência de governador e prefeito, sabe que nem todos podem seguir a recomendação de “ficar em casa”.

Mas as considerações do ex-ministro permitem que perguntemos às autoridades municipais e do estado o que fizeram, estão fazendo, ou pretender fazer, além de fechar empresas e destruir empregos, para “utilizar com inteligência” as bases de dados e realizar testagens, monitoramento, rastreio e isolamento para reduzia as taxas de contágio.

Em vez de parar São Paulo, capital econômica do Brasil, com o resto do país funcionando, não seria mais acertado procurar detectar os centros e as causas de expansão do contágio?

A experiência de antecipação dos feriados anterior não foi bem-sucedida. Repetir a mesma experiência, simplesmente aumentando a dose, não parece que possa dar resultado diferente.

Alguém já se perguntou sobre o que a população, especialmente os jovens, vão fazer nesses dez dias?

FICAR EM CASA! Isso pode ser parcialmente válido para as classes A, B, e parte da C.

Para que elas possam “ficar em casa”, no entanto, dependem de que outros trabalhem para tornar isso viável. “FICAR EM CASA”, para aqueles que têm casa adequada, é possível. Com o celular na mão, pode fazer compras no supermercado e na farmácia e até variar o cardápio do dia. Mesmo sendo viável, dez dias seguido parece exagero, e se tornar cansativo.

Mas, e os que não têm condições para “ficar em casa”?

Cerca de um terço da população paulistana vive em “aglomerados subnormais”, para usar a linguagem do IBGE. Em São Paulo, isso se traduz em 1.728 favelas, com mais de 400 mil habitações, no geral superpovoadas, com cerca de dois milhões de habitantes.

Também os 1.479 cortiços se enquadram nessa definição, sendo que, em alguns, segundo estudos recentes, parte dos dormitórios não tem sequer uma janela para receber a luz do sol.

Pode-se incluir ainda mais de 450 pensões e habitações coletivas bastante precárias, sem falar nos mais de 24 mil “moradores de rua”.

Desde abril do ano passado, estatísticas da Prefeitura mostram que o número de contaminação e de mortes é proporcionalmente maior onde há grande concentração desses “aglomerados subnormais”. Infelizmente os dados que têm sido divulgados, não descem a detalhes do local efetivo das ocorrências, pois classificam por bairros, quando grande parte se refere a periferia dos mesmos.

A indicação mais precisa dos locais das ocorrências, permitiria ações específicas nessas localidades, na linha do que defende o Senador, que conhece a realidade de São Paulo.

Como se pode pedir para “ficar em casa” a quem vivem nessas condições e, muitas vezes, até com carência de alimentos? O que os moradores podem fazer nesse longo período? O que os jovens irão fazer?

Copiar o exterior sem considerar a realidade me parece irrealista.

Quando se prega o lockdown, será que tudo isso é levado em conta? Provavelmente cerca de um terço da população precisa trabalhar: na saúde, segurança, limpeza, transportes, comércio essencial, pets etc.

Outro terço vive em “aglomerados subnormais” e também não tem como cumprir o isolamento ou lockdown.

Resta, então, cerca de um terço que é a classe mais favorecida e que, no geral, já adota cautelas, mas teria condições de cumprir regras mais severas.

É claro que as sugestões do Senador José Serra partem da premissa maior de que “a solução definitiva é coletiva... todos podemos praticar a solidariedade pelo bem comum”

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