A Receita Federal fez uma rodada de autorregularização com o setor de agronegócios, que pode resultar em mais de R$ 242 milhões para os cofres públicos. O órgão cobra o adicional de 6% a 12% de Risco Ambiental do Trabalho (RAT), chamado de GILRAT, referente a trabalhadores expostos a ruídos, que têm direito à aposentadoria especial. Mas há quem já foi à Justiça tentar afastar o pagamento.
Ao todo, 6.150 empresas em todo o Brasil receberam notificações para se regularizarem espontaneamente, sem ter que ser fiscalizadas e correr o risco de pagar multa de 75% a 150% do valor não recolhido.
Os contribuintes que receberam a notificação foram selecionados a partir do cruzamento de dados internos. De acordo com nota divulgada no site do órgão, a Receita constatou indícios de informações inconsistentes na apuração do GILRAT, tal como declarado pelas empresas na Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações à Previdência Social, o que resultou na falta ou insuficiência de recolhimento à Previdência Social.
O GILRAT é destinado para pagar benefícios e aposentadorias especiais decorrentes de acidentes ocorridos no ambiente de trabalho. O RAT tem alíquota variável, de 1% a 3%, determinada em função do nível de riscos de exposição do empregado (leve, médio ou grave). E o adicional GILRAT varia de 6% a 12%.
A Receita faz a cobrança do adicional do RAT baseada em julgamento do Supremo Tribunal Federal, de 2014, com repercussão geral (ARE 664.335 ou Tema 555 da Repercussão Geral). Na ocasião, os ministros definiram que independentemente do fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPI) e coletiva, esses atenuam, mas não acabam com a nocividade.
Por isso, segundo o STF, deve ser concedida aposentadoria especial para todos os segurados empregados que trabalhem em ambiente ruidoso, sob condições que extrapolem a normalidade prevista na Norma Regulamentadora (NR) 15, do Ministério do Trabalho. Pela regra, há o agente ruído, se acima de 85 decibéis.
Depois desse julgamento, a Receita Federal emitiu o Ato Declaratório Interpretativo (ADI) nº 2, de 2019, no qual entendeu que a contribuição adicional ao RAT é devida pelo empregador em todos os casos em que a concessão da aposentadoria especial não puder ser afastada pela neutralização dos riscos ambientais pelo fornecimento de Equipamento de Proteção Individual (EPI) e Equipamento de Proteção Coletiva (EPC), como é o caso do ruído.
Contudo, advogados de empresas afirmam que não se poderia exigir o adicional do RAT sobre todos os funcionários com direito a aposentadoria especial expostos a ruídos. “O Supremo tratou da discussão sobre a concessão de benefício previdenciário, mas isso não elide para fins tributários”, diz o advogado Rafael Nichele, sócio da banca que leva seu nome.
Para Nichele, a Receita não poderia chamar os contribuintes pedindo a autorregularização por presumir que existe um ruído excessivo para todos os trabalhadores, independentemente do uso dos equipamentos de proteção. Segundo ele, o Fisco só poderia cobrar nos casos em que ficar comprovado que o ruído não está sendo mitigado, mesmo com o uso do EPI, ou quando não é usado o equipamento.
Nichele afirma que as legislações previdenciárias (Leis nº 8.213 e nº 8.212, ambas de 1991) exigem a comprovação do dano para o pagamento do GILRAT.
O advogado Alessandro Mendes Cardoso, sócio do escritório Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados, diz que o STF não avaliou a questão do adicional ao RAT. “Por isso, teria que haver uma mudança na lei para validar essa cobrança”. Para ele, cobrar o adicional mesmo quando a empresa fornece o EPI eficaz é “penalizar irrazoavelmente as empresas, além de desestimular o investimento em EPI mais eficazes”. Além disso, diz, “é um absurdo a Receita pretender retroagir a decisão do STF e cobrar antes mesmo do Ato Declaratório de novembro de 2019”.
Em resposta à Receita, empresas já têm ido ao Judiciário. Porém, nos tribunais, o assunto ainda é controverso. O Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região (RS, SC e PR), tem sido favorável ao Fisco. Contudo, sentença recente, da 17ª Vara Federal Cível do Distrito Federal, beneficia a Federação Nacional do Comércio Varejista de Combustíveis e Lubrificantes (Fecombustíveis). O juiz Diego Câmara declarou a nulidade do Ato Declaratório nº 2, de 2019 (processo nº 104497-38.2019.4.01.3400).