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Dia do comerciante: eles resistem
Pandemia, custos em alta, novos hábitos do consumidor. Veja como comércios centenários, como a Casa Godinho, apostam em décadas de experiência para continuar na ativa
As vendas do comércio caminham a passos lentos desde 2014. Quando a situação parecia melhorar, chegou a pandemia, seguida pela elevação dos custos e da queda no consumo. Em meio a esse cenário de desafios recorrentes, o comércio resiste.
Para exemplificar a resiliência desse setor, o Diário do Comércio buscou negócios centenários da capital paulista que continuam sólidos com suas operações e prontos para comemorar no sábado, dia 16 de julho, mais um Dia do Comerciante.
Veja a seguir como empreendimentos com mais de um século de atividades - como a Padaria Santa Tereza, a Casa Godinho e a Casa da Bóia - conseguiram se manter em evidência ao longo de tanto tempo.
PADARIA SANTA TEREZA - 150 anos
Antiga, tradicional... mas usando as novidades a seu favor
Quase 30 anos após passar das mãos das famílias fundadoras Teixeira e Vaz para a dos Maturana, a padaria mais antiga do Brasil, que funciona desde 1872 atrás da Catedral da Sé, apostar no peso de um século e meio de atividades para se adaptar aos novos hábitos de consumo, e aos impactos de uma crise sem precedentes.
Experiência em situações adversas não faltam. Mas, pega de surpresa pela pandemia, quando do dia para a noite passou a vender 9% do habitual, foi necessário "um banho de administração" para repensar o negócio, segundo Natália Maturana de Almeida, 33. Junto da irmã Juliana, 40, são a parte do clã à frente da Santa Tereza, uma das três padarias da família.
Além de passar um pente fino para enxugar custos onde podiam, do suco de laranja aos guardanapos, descobriram, com as medidas restritivas, que ao contrário do que pensavam, dava sim para entregar o tradicional café com pão na chapa do coffe break por delivery.
Como a maioria, começaram pelo iFood, mas logo adotaram também o Whatsapp. "Arrebentamos de vender. O cliente não quer mais ligar, quer resolver rápido, e até agora estamos conseguindo sobreviver com esse novo jeito de fazer as coisas", afirma Natália.
Foram para as redes sociais, a procura voltou a aumentar, e atraiu novos públicos, como turistas, da capital e interior que, impedidos de viajar pela pandemia ou pela queda na renda, passaram a fazer tours pelo centro histórico e a incluir a centenária padaria no itinerário, atraídos por quitutes famosos como a coxa-creme, seu carro-chefe, ou a canja de galinha.
Já os influencers, com mídias espontâneas no Instagram ou Facebook, também viraram habitués, com posts criativos do tipo "a coxinha de 150 anos". "Esse pessoal tem milhares de seguidores. Se pelo menos 1% segue a gente ou vem até aqui, já ganhamos", destaca.
Além de dizer que a pandemia reforçou a necessidade de controlar seu comércio "na palma da mão", seja reduzindo preço dos pratos pela metade ou ajustando a equipe, a jovem empresária cita o aprendizado de outras crises para se manter na briga: acompanhar o mercado e inovar.
"Se a moda é vender canoli, vamos vender. Se é banoffe ou chipa paraguaia, também. Assim como oferecer pratos acessíveis para atrair todo tipo de cliente", diz Natália. "E tudo isso com ajuda da tecnologia: a casa é antiga, tradicional, mas as novidades vêm, e é preciso usar a nosso favor."
CASA GODINHO - 134 anos
Teimosia e pé no chão: receitas para continuar, mesmo em cenário adverso
O empório de secos e molhados instalado no histórico edifício Sampaio Moreira desde a sua fundação, em 1924, e famoso por vender bacalhau salgado, vinhos importados e guloseimas como a empadinha de massa podre, teve de dar dois passos atrás em mais uma crise.
Comandada desde 1995 por Miguel Romano, 63, a Casa Godinho, que tinha um e-commerce engatinhando, já entrou na pandemia levando "paulada", segundo o proprietário: um estoque lotado de pescado versus o fechamento total do comércio às vésperas da Páscoa.
"Bacalhau e vinho são produtos para degustar em família, mas ninguém podia se encontrar. Vendemos só 30%, administrando a sobra e pagando contas com capital de giro até o Natal."
Ainda que pudesse funcionar como comércio essencial por vender pães de fabricação própria, leite e açúcar, usou sua reserva e até pegou empréstimo do Pronampe para sobreviver à queda nas vendas. "Em outras crises conseguimos nos adequar, mas essa... foi de sofrimento."
Procurando administrar a concorrência com grandes marketplaces, como Pão de Açúcar, Americanas e Magalu, Romano continua firme nas divulgações em redes sociais para chamar público. "O importante é não deixar o nome da Casa Godinho ser esquecido."
Também atende pelo Whatsapp para manter a clientela, que caiu 30%, afastada, segundo acredita, pelo home office, pela violência do centro da capital paulista e, claro, pela inflação. "Recuperamos 80% das vendas de antes da pandemia, mas ela tirou nossos ganhos."
Na expectativa da volta dos clientes, o dono do empório destaca que essa crise reforçou a necessidade de sempre ter uma "gordurinha", ou seja, uma reserva, para não quebrar.
"Estamos aqui ainda porque somos teimosos", brinca. "Porém, as crises separam o joio do trigo: quem trabalha no limite quebra, mas quem tem pé no chão, consegue subsistir."
Mesmo assim, como todo bom empreendedor, decidiu investir para diversificar em plena crise. Inspirado em antigas lanchonetes de hot dog de sua juventude, abriu o "Rei da Salsicha."
Vizinho da Casa Godinho, foi inaugurado no último dia 6 de junho. Novo em folha e com design moderno, já tem atraído, na hora do almoço, levas de clientes de bancos, escritórios e órgãos públicos do centro velho da capital paulista. As estrelas são os sanduíches de salsicha gourmet do tipo frankfurter e swiss dog, que podem ser acompanhadas por cervejas artesanais.
“Usamos produtos diferenciados e de qualidade", conta. "Pelo pouco tempo, já começamos a ter um ótimo retorno – o que só confirma que o boca a boca é a melhor propaganda que existe”, se empolga, do alto de seus mais de 50 anos de experiência no comércio.
CASA DA BÓIA - 124 anos
Passado de geração a geração, 'segredo' entre comerciantes ajuda a resistir
Fundada pelo imigrante sírio Rizkallah Jorge Tahan, no centro da capital paulista, em 1898, a loja fez sua fama ao se especializar em canos, conexões, registros e peças de cobre. Assim como em bóias para caixa d'água, que apelidaram a empresa batizada com o nome do dono.
Mas o comércio centenário, que funciona no mesmo imóvel desde sua fundação, na rua Florêncio de Abreu, também se especializou em crises - e em sobreviver a todas elas, conforme conta Mário Roberto Rizkallah, 63. Neto do fundador e terceira geração à frente do negócio, o empresário está na empresa desde 1974. Em 1997, assumiu o comando definitivamente.
Na crise de 2015-2016, em parceria com a sua mulher, Adriana, resolveu dar uma virada na empresa familiar para manter a Casa da Bóia em pé, quando vendas e lucros caíram.
Auditaram custos, reavaliaram processos e decidiram diversificar. Criaram um novo espaço no antigo imóvel, já restaurado, destinado a uma linha de móveis, objetos de decoração e chuveiros em cobre criados por Adriana para oferecer uma nova experiência de compra.
Na pandemia, por mais que no início as vendas tenham caído mais de 80%, a Casa da Bóia acabou se beneficiando com o lado positivo do clichê de negócios "enquanto uns choram, outros vendem lenços".
"Muita gente passou a reformar, dar um brilho diferente na casa... como trabalhamos como materiais de construção, após uns cinco meses começou a retomada", conta. "Não sofremos 'horrores', e passamos até a vender mais em função dessas iniciativas."
Por ter um e-commerce incipiente, e pouco aderente ao tipo de material vendido na loja, como cobre, zinco, latão e bronze, cujos preços têm variação diária cotada pela Bolsa de Londres, o que dificulta a logística, a Casa da Bóia ainda não se rendeu totalmente ao digital.
Mas aposta num velho segredo de comerciantes - nem tão secreto assim - para resistir tanto, passado de geração a geração, segundo Mário Roberto: tratar o cliente com transparência.
"Meu avô tinha uma visão muitos anos à frente, e sempre ensinou seus filhos a trabalharem corretamente, sem tirar vantagem do negócio", conta. "Com crise ou sem, é o que continuamos a fazer nesses 124 anos: tratar bem o cliente, pois assim ele sempre volta."
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