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Arcabouço fiscal: o que o governo está fazendo para bater a meta
O arcabouço fiscal, o conjunto de regras de controle dos gastos do governo, está no centro das discussões entre a equipe econômica do governo e do Congresso. A meta de 2024 é de fechar o ano no zero a zero, ou seja, não gastar mais do que se ganha. Isso significa uma arrecadação de R$ 168 bilhões a R$ 200 bilhões.
Mas, na prática, é preciso aprovação do Congresso Nacional de diversas medidas para equilibrar esses números, o que pode gerar idas e vindas até acontecer. Veja a seguir o que são essas medidas e qual é o plano para bater a meta
Entenda o arcabouço fiscal
O arcabouço se constitui em um conjunto de medidas para manter o controle dos gastos e receitas do país. Chamado também de política fiscal, o governo busca manter os gastos e receitas nos eixos para dar credibilidade para sua dívida e, assim, financiar serviços públicos como saúde, educação e segurança pública
Aumento da dívida pública, juros altos e inflação acima do normal são consequências do descontrole fiscal. Além disso, passa desconfiança sobre as contas públicas para os cidadãos, empresas e investidores. Por exemplo, quando há déficit (gastou mais do que arrecadou), o governo precisa se endividar através da emissão de títulos.
O teto de gastos é uma forma de para controlar as contas públicas, congelando despesas, mesmo que nem sempre seja cumprido. O cenário é de aumento da dívida nos últimos anos. Entre 2014 e 2021, o Brasil teve déficit. Em 2022, teve superávit de R$ 54 bilhões e, em 2023, o déficit foi de R$ 230 bilhões.
Mudanças na política fiscal
Em 2023, foi estabelecida a nova regra fiscal - ela limita o crescimento da despesa a 70% da variação da receita dos 12 meses anteriores. Agora, o limite de despesa é mais flexível que o teto de gastos.
Há uma banda, visto como piso e teto, para o crescimento real das despesas do governo. Mesmo se o momento for de crescimento da economia, a despesa não poderá crescer mais de 2,5% ao ano acima da inflação. Já se for um momento de contração econômica, o gasto não poderá crescer menos que 0,6% ao ano acima da inflação. Ficam fora desses limites o Fundeb (fundo para educação básica) e a saúde (piso da enfermagem) porque têm regras específicas.
Mecanismos de punição freiam os gastos se a regra não foi cumprida. Caso o resultado primário fique abaixo, o crescimento das despesas para o ano seguinte cai de 70% para 50%, a partir de 2025. Para este ano, o teto do limite será limitado a 2,5% de crescimento real da despesa.
Correndo atrás da meta
A meta é de zerar o déficit. O intervalo é de 0,25 ponto percentual do PIB, sendo que as contas poderão ter um resultado deficitário ou superavitário de até R$ 28,75 bilhões sem que as metas fiscais sejam descumpridas.
Governo incluiu medidas no orçamento para elevar a arrecadação em R$ 168 bilhões para tentar cumprir a meta fiscal de 2024. Mas pode chegar a precisar de R$ 200 bilhões. O Ministério da Fazenda detalhou as medidas no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2024, apresentado no ano passado.
Na época, foi defendido que, caso essas medidas não fossem aprovadas, haveria outros caminhos possíveis. A ministra do Planejamento, Simone Tebet, disse durante a audiência pública, que as despesas primárias do governo federal devem crescer R$ 129 bilhões este ano, chegando a R$ 2 trilhões.
Ações previstas para impulsionar as receitas são várias e mexem na estrutura econômica do país. Entre as medidas, a retomada do voto de qualidade no Carf, colegiado responsável que cuida do julgamento de recursos de empresas multadas pela Receita Federal, e a tributação de "offshores" no exterior e de fundos exclusivos.
Mercado não acredita muito no equilíbrio das contas públicas este ano. A falta de confiança está na dificuldade de alcançar o valor das receitas e alguns analistas acreditam que o superávit só acontece nos próximos anos.
O equilíbrio das contas públicas ao final de 2024 parece pouco factível, em especial em um cenário de pouco espaço para corte de gastos e alto nível de despesas obrigatórias.
Marcela Kawauti, economista-chefe e sócia na Lifetime Investimentos
Veja o que já está acontecendo
Transações da Receita Federal e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) com os contribuintes que possuem débitos, com arrecadação prevista de mais de R$ 40 bilhões.
Volta do voto de qualidade no Carf, com arrecadação esperada de R$ 60 bilhões.
Abatimento da base de cálculo de impostos federais (IRPJ e CSLL) de incentivos fiscais concedidos pelos estados por meio de ICMS para custeio. A arrecadação prevista é de mais de R$ 30 bilhões.
Fim da dedutibilidade dos juros sobre capital próprio, que é uma forma de distribuição dos lucros de uma empresa de capital aberto. A arrecadação prevista é de R$ 10,5 bilhões.
Taxação de encomendas internacionais, como Shein e AliExpress, com arrecadação prevista de quase R$ 3 bilhões.
Taxação do mercado de bets, as apostas eletrônicas em jogos esportivos. Por mais que as regras já estejam em vigor, ainda precisam ser analisadas pelo Congresso. A estimativa de arrecadação é de R$ 12 bilhões por ano.
Nem tudo foi para a frente
Medidas e projeções são muito otimistas, sendo que o total gerado deve ser menor. Apesar do montante adicional, o governo ainda precisaria de R$ 90 e R$ 100 bilhões a mais do que o projetado para que o déficit fiscal seja zerado ao final deste ano, explica Marcela Kawauti, economista-chefe e sócia na Lifetime Investimentos.
Por mais que as principais medidas tenham sido aprovadas, outras não foram. Por exemplo, o Ministério da Fazenda apresentou o fim do Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos) e Reoneração da Folha de Pagamento, que revoga os benefícios fiscais que eram permitidos pela desoneração da folha salarial, que não foram aprovados. Além da MP que restringe o uso de créditos tributários do PIS/Cofins, que enfrenta forte resistência.
A implementação depende de negociações políticas e da aprovação pelo Congresso. Diferentes setores da sociedade podem discordar e a viabilidade e o impacto dessas propostas estão sujeitos a análises e debates contínuos, não é necessariamente aprovado e entra em vigor de primeira, diz o economista Natale Papa.
No momento, o governo pretende revisar o total das despesas públicas e como esse dinheiro é empregado. Reformas também seriam fundamentais para dar espaço para os cortes de gastos. Cerca de 90% dos custos do governo central são chamados de despesas obrigatórias e têm execução mandatórias, como as de encargos sociais e benefícios da previdência social, complementa Kawauti.
Mesmo com a arrecadação subindo de forma relevante em 2024 em relação a 2023, pode não ser o suficiente para o alcance da meta fiscal, o que nos leva a crer que a corda já está bastante esticada pelo lado do aumento da receita.
Hulisses Dias, especialista em finanças e investimentos
E que vai acontecer no futuro
Conforme os cálculos do Tesouro Nacional, o time econômico precisaria elevar a arrecadação. Para cumprir as metas fiscais existentes hoje, as medidas adicionais aumentariam em R$ 296 bilhões em 2025 e 2026.
Em abril deste ano, o governo federal propôs reduzir as metas de superávit primário para as contas públicas dos próximos anos. Quer dizer que há uma tentativa de reduzir a diferença entre receitas e despesas através do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025.
Medidas incluídas facilitam a realização de mais gastos públicos nos próximos dois anos. Com a redução da meta fiscal em 0,5 ponto percentual do PIB no próximo ano e uma flexibilização adicional de 0,75 ponto percentual do PIB em 2026, o governo pode obter mais espaço para gastos públicos, cerca de R$ 161 bilhões.
Proposta de meta fiscal para 2026: mudança de um saldo positivo de 1% do PIB (em média de R$ 132 bilhões) para um superávit de 0,25% do PIB (mais de R$ 30 bilhões). Atualmente, o saldo pode ficar entre R$ 99 bilhões e R$ 165 bilhões de superávit. Se a proposta for aprovada, poderá oscilar entre um saldo zero e um saldo positivo de R$ 66 bilhões.
Contas seguem no vermelho
Gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem como foco equilibrar as contas públicas. Por outro lado, os rombos fiscais estão previstos durante todo o tempo de governo. A equipe econômica avalia que as metas fiscais serão atingidas nos próximos anos por estarem dentro do intervalo previsto pelo arcabouço fiscal.
Desonerações fiscais complicam a tarefa de ajustar o orçamento. Quanto mais renúncia fiscal, menor é a arrecadação tributária. O governo federal estima que o impacto da desoneração da folha será de R$ 26,3 bilhões em 2024. Porém, o corte é difícil devido ao peso político para tal, uma vez que pode trazer uma trava econômica e mais desemprego, diz o economista Natale Papa.
Abatimento de precatórios pode ser uma boa saída. O superávit viria através das dívidas que o governo tem que pagar e já foram reconhecidas pela Justiça. Ou seja, adiantando esses pagamentos, libera espaço nas contas dos próximos anos.
Previdência Social é o maior gargalo no orçamento. Com a política de reajuste do salário mínimo implantada pelo atual governo, o gasto com benefícios sociais vem crescendo em patamares preocupantes, comenta Dias.
Objetivo do governo é atingir o seguinte agora: déficit zero em 2024 e 2025, superávit de 0,25% em 2026. Em termos de projeções o cenário é um rombo de R$ 9 bilhões em 2024, R$ 29,1 bilhões em 2025 e de R$ 14,37 bilhões em 2026.
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