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Conheça a trajetória de juízas e juízes que, em breve, chegarão às Varas do Trabalho
Candidatas e candidatos aprovados no Concurso Nacional compartilham suas histórias, desde o começo do sonho, passando pela dura preparação, até a desejada posse em breve
Ética, conhecimento jurídico, análise crítica e… compaixão. São muitos os requisitos que devem conduzir uma candidatura à magistratura. Tornar-se juiz ou juíza não é tarefa fácil nem se resume a tomar decisões tecnocráticas. Pelo contrário, ela envolve o imperativo do amor e da vontade à prática da justiça, como pontuou o ministro Vieira de Melo Filho, ao citar o filósofo alemão Jürgen Habermas na sessão de divulgação do resultado da Prova Oral do 2º Concurso Público Nacional Unificado para ingresso na carreira da Magistratura do Trabalho. Naquele momento, davam mais um importante passo em suas vidas pessoas que trilharam as mais diversas trajetórias em direção ao sonho de atuar em nome do Estado na busca da justiça para quem espera uma resposta justa.
No segundo semestre deste ano, 138 mulheres e 91 homens tomarão posse como juízas e juízes do trabalho. Sete são pessoas com deficiência e 14 se autodeclararam negras. “Tivemos o concurso com a maior diversidade da história do Judiciário brasileiro”, destacou o presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Lelio Bentes Corrêa, na homologação do resultado final do certame. Entre os nomes que, em breve, conduzirão as audiências nas muitas Varas trabalhistas espalhadas pelo Brasil estão os de Márcio, Tatiane, Fabiane e Juliana, que compartilham suas histórias e inspiram caminhos para quem seguirá buscando uma vaga.
“Que vocês nunca se esqueçam do compromisso que assumiram e realmente possam servir ao povo brasileiro. A função do juiz não se estabelece na autoridade, mas no serviço que ele presta ao povo brasileiro, na maneira como ele presta, acolhe e entrega justiça. Isso é o que devemos fazer por um Brasil que ninguém vê. Esse é o Brasil que estará diante de vocês daqui a alguns meses.”
Ministro Vieira de Melo Filho, presidente da Comissão Examinadora da Prova Oral
É caminhando que se faz o caminho
Em breve, Márcio Cruz será o primeiro juiz com deficiência visual total a atuar em uma Vara do Trabalho. Servidor do Judiciário desde 2005 e, desde 2011, analista judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR), Márcio sabe a importância da representatividade e lembra que foi atuando ao lado do desembargador Ricardo Tadeu Marques da Fonseca – primeiro magistrado cego da Justiça do Trabalho – que amadureceu o interesse pela magistratura. Fonseca era procurador regional do Trabalho (MPT-PR) e foi nomeado pelo presidente da República, em 2009, para exercer o cargo de desembargador do TRT-9, e, portanto, não atuou na primeira instância.
O caminho para chegar até aqui, porém, não foi simples. Márcio teve de superar diversas barreiras ao longo da preparação por conta da falta de acessibilidade. “As editoras não vendiam livros em formato acessível, então contei, primordialmente, com a ajuda de amigos no primeiro ciclo de estudos, entre 2015 e 2017”, lembra. Eles digitalizaram materiais, procuraram artigos na internet, conseguiram PDFs e, com o auxílio de softwares de leitura de tela, Márcio pôde complementar o estudo para além das aulas presenciais em cursinhos preparatórios.
Após um intervalo, ele voltou a se preparar em 2019 e, dessa vez, foi diferente, porque já havia vários cursos e apostilas acessíveis. “Algumas editoras passaram a me vender livros em formato digital”, recorda. A partir daí, o estudo passou a ser diário e contínuo, conciliado com as atividades no TRT-9, onde redigia minutas de votos. “O trabalho também me ajudou a absorver conhecimentos, ganhar experiência prática e análise de prova”, avalia.
Acessibilidade e inclusão
Neste CNU, a etapa da Prova Oral, tão temida por muitos candidatos, teve um significado especial para Márcio. “Foi a primeira em que não existiam diferenças com os outros candidatos por questões de barreiras tecnológicas ou de feitura da prova em si. Nas demais, havia diferenças, por exemplo, no material da prova, na velocidade de escrita, na navegação pelos cadernos. Foi a primeira vez que participei em igualdade de condições com os colegas”, relata.
O juiz recém-aprovado faz questão de destacar a postura acessível e acolhedora dos examinadores. “Fez toda a diferença”, afirma. “Foi uma experiência única que ficará para sempre como uma memória especial na minha vida”. Agora, Márcio se prepara para tomar posse e reafirma sua vontade de zelar pelo compromisso assumido. “Espero encontrar os meios necessários para efetivamente fazer aquilo a que me proponho, que é distribuir a justiça para o público que faz parte da camada mais necessitada do Brasil”.
“Sei que muitos se dedicaram aos estudos por mais de uma década, enfrentando desafios e superando obstáculos ao longo do caminho. Essas experiências, embora difíceis, certamente moldam e fortalecem cada um. Faço votos de que essa perseverança e essa força estejam sempre presentes em suas vidas, seja no exercício do cargo de juiz do trabalho, para quem foi aprovado, seja na determinação de continuar perseguindo o objetivo de se tornarem juízes do trabalho.”
Ministro Hugo Scheuermann, presidente da Comissão Executiva Nacional do 2º CNU
Consagração de mais de uma década de dedicação
Desde a época da faculdade de Direito, Tatiane Pucharelli sonhava em ser juíza, mas não acreditava que a carreira fosse um desejo acessível. “Minha mãe cuidava sozinha de mim e de minha irmã sozinha, e nossa condição financeira era bem limitada”, conta a recém-aprovada juíza substituta. Anos depois, após o nascimento de seu segundo filho, a vontade voltou a vibrar, e, em 2011, engatou a preparação. A trajetória teve altos e baixos.
Durante os anos de preparação, que envolveram cursinhos presenciais e madrugadas na companhia de livros e apostilas para bater sua meta diária, Tatiane conciliava o estudo com a advocacia e a maternidade. Em 2015, passou pela primeira vez para a segunda etapa do concurso, mas ainda foi reprovada outras tantas vezes na fase da prova discursiva. “No primeiro CNU aconteceu a mesma coisa, e, naquele momento, achei que meu sonho não mais se realizaria”, lembra. Ainda assim, não desistiu.
Quando, em 2021, os rumores sobre um novo edital aumentaram, Tatiane intensificou os estudos. Com a publicação do edital, apostou alto. “Decidi usar o valor que tinha guardado no banco da venda da minha parte do apartamento após minha separação, em 2020, para me afastar do trabalho e estudar todo o tempo possível. Felizmente deu certo”.
O momento da realização do sonho
Tatiane filmou e compartilhou nas redes sociais o momento em que descobriu que tinha sido aprovada. O vídeo viralizou e já tem mais de 2 milhões de visualizações. Ao lado dos filhos adolescentes, tão emocionados quanto a mãe, ela não segura as lágrimas e vibra ao ver sua aprovação. “Foi uma das maiores emoções que senti na vida, depois do nascimento dos meus filhos”, conta. “Consegui vencer os desafios do dia a dia e me manter disciplinada na busca desse bem maior, que certamente vai propiciar aos meus filhos uma vida melhor que não tive”.
A quem seguirá na busca por uma vaga, Tatiane aconselha que acredite no poder da disciplina, mesmo nos dias mais difíceis. “Quando nos tornamos disciplinados, as metas da vida se tornam menos árduas, o que nos possibilita ser felizes durante o percurso. Como eu sempre falo: disciplina é liberdade”.
Mudanças fazem parte do percurso
Para Fabiane Wallauer Guerra, a magistratura – e o próprio Direito – foi “um sonho que veio com a maturidade”. Formada em Nutrição, prestou o concurso do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), mas achou que não conseguiria competir com candidatos da área de Direito. Não só conseguiu como atuou, por 11 anos, no cargo de telefonista do Tribunal. De repente, um novo universo se abriu para ela. “Comecei a frequentar a biblioteca. Retirava livros de Direito e me interessava pelo assunto, o que acabou me levando a fazer a faculdade. Gostei muito do curso, embora fosse uma área totalmente diferente daquela que eu havia escolhido inicialmente”, lembra.
Fabiane conta que, em 2018, começou a auxiliar na elaboração de minutas de sentença no TRT-4, experiência que consolidou a vontade de seguir o caminho do Direito. “Eu já não cogitava nenhuma outra área que não a trabalhista, mas confesso que o cargo de juíza parecia impossível para mim”, recorda. Mesmo assim, decidiu se inscrever no CNU e seguir firme nos estudos. Mais uma vez, a vida a surpreendeu e a aprovação chegou já na sua primeira tentativa – mas não sem muita dedicação e estudo. “Quando saiu o resultado, senti uma alegria imensa, uma sensação de que todo o estudo tinha sido recompensado e, ao mesmo tempo, ainda não conseguia acreditar que era mesmo verdade”.
Tendo conhecido a Justiça do Trabalho desde a ponta e, agora, até o cargo de juíza, Fabiane reforça que, nessa nova fase, muito muda, mas muito também permanece, como o compromisso e a responsabilidade que construiu ao longo dos anos tendo em mente a importância da instituição para a sociedade. “Eu diria que, de fato, é um caminho que exige muito esforço. Mas diria também para que não desistam desse sonho, em especial para pessoas cuja vida talvez tenha, inicialmente, seguido por um outro rumo. Ainda assim, é possível”, incentiva.
Quando tudo parece dar errado, mas dá certo
Juliana Büttenbender já foi telefonista, vendedora de loja, advogada, técnica e analista judiciária e, logo mais, será juíza do trabalho – seu sonho desde a infância. Nos últimos dez anos, ela participou de diversos certames para o cargo, mas foi só neste 2º CNU que encarou a Prova Oral pela primeira vez e, felizmente, última. Se engana, porém, quem acha que a única dificuldade foi a prova em si. Para conseguir chegar a Brasília e participar da etapa presencial no TST, Juliana, que mora em São Lourenço do Sul, a 215 km de Porto Alegre (RS), teve de dirigir oito horas de carro até Montevidéu, no Uruguai, para pegar um voo para São Paulo e, só então, partir para Brasília.
A Prova Oral de Juliana estava marcada para o dia 7 de maio, mas os candidatos precisavam vir ao TST um dia antes para o sorteio do ponto de prova. Acontece que, na mesma época, o Rio Grande do Sul passava pela pior catástrofe natural da sua história, o que acarretou o cancelamento do voo de Juliana e a interdição das pontes entre Eldorado do Sul e Porto Alegre. Ao saber da possibilidade de abertura de uma delas, Juliana não pensou duas vezes: arrumou a mala e pegou o carro para tentar chegar até Santa Catarina e embarcar para a capital federal. A tentativa foi frustrada, porque as pontes continuavam sem previsão de liberação, e a estrada com desvio alternativo também estava interditada.
De volta a São Lourenço do Sul, as notícias seguiam as mesmas, mas ela e o noivo tiveram uma ideia. “Resolvemos ir no sentido contrário. Em vez de embarcar por Santa Catarina, fomos em direção ao Uruguai”. Dirigiram sem parar até o outro país para garantir o embarque no último voo do dia para São Paulo. “Quando estava com a passagem comprada, veio a informação de que os gaúchos poderiam prestar a prova em datas alternativas. Como eu não tinha certeza se seria possível, e perder a prova não era uma possibilidade, não pude esperar pela divulgação oficial. No sábado, cheguei a São Paulo e, no domingo de manhã, embarquei para Brasília”.
Na capital, Juliana conta que foi acolhida e teve o suporte dos demais candidatos. “Encontrei uma rede de apoio sensacional dos colegas de concurso. Um deles ficou me ajudando nas 24 horas pré-prova de forma presencial. Ele nem me conhecia e ficou me auxiliando como um verdadeiro amigo de longa data”, recorda. O dia da divulgação do resultado da Prova Oral foi, sem dúvida, o mais feliz da sua vida. Agora, ela se prepara para tomar posse e começar um novo capítulo profissional.
“O concurso é difícil, mas, com o perdão do clichê, ‘é justo que muito custe o que muito vale’. Sejam resilientes e fortes, estudem sempre, não apenas para serem aprovados, mas para terem condições de entregar aquilo que a sociedade espera do Poder Judiciário, uma jurisdição de qualidade. A aprovação não vem quando queremos, mas quando estamos prontos. Cabe a nós fazer a nossa parte e acreditar que vai dar certo. Para mim, demorou dez anos, e eu faria tudo de novo se preciso fosse”.
Juliana Büttenbender, candidata aprovada e futura juíza substituta do Trabalho
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